segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Atendimento preferencial

Uma e meia da tarde. Entro na agência central do Banco do Estado do Piauí, dirijo-me ao caixa.
— O senhor pode me trocar este cheque?
O sujeito mal olha para mim.
— O senhor está na fila?
Me pegou de surpresa.
— Não tenho necessidade de entrar em fila.
— Como assim?
— Portador de necessidade especial.
— Muito bem, então, pode se dirigir ao último caixa. É específico para portadores, gestantes e idosos.
Argumento:
— O senhor poderia me dar um minuto de atenção...
— Não. E queira fazer o favor de desocupar a vaga, o senhor está atrapalhando a fila.
— O senhor tem certeza do que está dizendo?
— Claro que sim. Por favor, queira sair da fila.
Na fila, um homenzinho pega carona.
— Qualquer dia desses pego uma bengalinha e venho me arrastando para o banco...
Uma quarentona ri. É solidária com ele.
— Tem uma fila ali só pra deficiente, velho e grávida. Por que o senhor não vai para lá?
Olho para ela, sem coragem para dizer nada. Volto-me para o caixa:
— Senhor, seja coerente, eu não preciso entrar em fila. E aquilo é uma fila.
— O senhor quer sacar seu cheque, não quer? Então, vá para a fila!
Perco o pouquinho de paciência que ainda me resta. Ainda não tinha almoçado.
— Olhe, moço, eu sei que o senhor quer fazer o seu trabalho direito, pois então deixe eu lhe dizer: eu não preciso entrar em fila, assim como nenhuma gestante ou idoso. Temos atendimento preferencial. O caixa específico é um serviço que o banco oferece e que deve ser usado apenas em situações excepcionais, o que não é o caso.
— Ah, é intelectual?! Pois sim, me diga como é...
Nisso, na fila, muitos já estavam ficando irritados. Uns, ao lado do caixa renitente; outros, a favor do portador insistente.
— O que a lei diz é que tenho que ser atendido imediatamente. É claro que isso jamais vai ocorrer, porque não tenho um banco nem um caixa à minha disposição. Mas o que o senhor deve fazer é apenas o seu trabalho. Cumpra sua parte, e pronto.
O caso foi parar no gerente. De nada adiantou.
O BEP foi vendido em 2007 para o Banco do Brasil.
Seus funcionários agora atendem deficientes, idosos, gestantes ou mulheres com crianças de colo em qualquer caixa, e a qualquer momento – e não apenas em caixas preferenciais.

(Toni Rodrigues)

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